Carta ao meu assaltante

Caro infeliz,

Você deve estar estranhando esta carta, mas eu me senti inspirada para fazê-lo logo que cheguei em casa, após ter sido abordada por você. Talvez você estranhe este meu modo de extravazar, porque para um bruto seria infinitamente mais compreensível que eu, ao invés de perder meu tempo com frases e concordância, chutasse algum animalzinho por aí, ou até mesmo você. E sim, eu te chamei de animal. Não, isso não foi uma indireta. Foi direta mesmo. Mas a questão é que sinto-me mais satisfeita em saber do seu futuro deturpado e muito brevemente fatídico do que agredir um ser indefeso.
Posso facilmente imaginá-lo expor os dentes tortos e com clara falta de higiene num sorriso debochado ao ler isto, mas acredite, infeliz, que não tardará até que alguém livre-se de você. E eu acredito que ninguém além de sua pobre mãe – que claramente não soube educá-lo – irá se entristecer com sua partida. Ou talvez nem mesmo ela, tamanho o desgosto.
Mas agora me diga, infeliz, o que leva uma pessoa a uma vida de marginalidade? O que faz uma pessoa que já sentiu alegria, tristeza, saudade, paixão e medo, a sujeitar seu semelhante à uma situação como esta? Você faz ideia das consequencias psicolóicas às quais essas pessoas são expostas? Acho que não. Talvez você esteja tão familiarizado com tal realidade que não se espante mais com isso. Da mesma maneira como a sociedade se familiarizou. Com os assaltos, os estupros, a violência, os assassinatos. E é por isso que venho lhe chamando de infeliz nesta carta desde o começo. Porque você é um infeliz. Alguém que provavelmente não conheceu uma vida tranquila, ou afastou-se dela há tanto tempo que suas lembranças estão turvas. Você não conhece valores. Você não conhece a saciedade que pode sentir sendo correto, pois o prazer ao qual você está familiarizado é vão e efêmero. Assemelha-se ao uso de alguma droga, que te faz rir, mas te destrói lentamente. E saiba: nem tão lentamente assim.

Mas não ache que sou ingrata, ao contrário agradeço muito por não ter me apontado nenhuma arma. Você já devia saber que aquele “anda gata, passa o celular” deveria ser suficiente, pela experiência ou simplesmente por minha baixa estatura. E vou lhe confessar uma coisa: neste momento também sou infeliz. Infeliz por esta perspectiva deplorável que grande parte das crianças de baixa renda do nosso país esta sujeita. Infeliz pelas pessoas que perdem suas vidas quando em situações semelhantes. Infeliz por ver a falta de respeito pelo próximo que parece cada vez mais incrustado nesta geração. Dois homens morreram dias atrás pelo futebol – por nada – afinal. Infeliz porque poucas pessoas como você sairão desta vida, e não pela falta de oportunidades, mas por deixa-las escapar. E estou infeliz porque sei que você não queria me machucar, queria apenas o meu celular para conseguir em troca algumas pedras por aí. Foi por isso, não foi?
E agora, com a raiva se esvaindo, fica claro para mim que sou a lesada nesta história, mas a vitima é você, das próprias escolhas. Dificilmente você conseguirá escapar da situação onde se enfiou, e isso é triste.
Boa sorte em tua decida até o buraco que preferires. Saiba que sentirei muita falta do meu acervo musical cuidadosamente selecionado dos últimos anos. Aproveite e escute Imagine, do John Lennon, e também Brother my Brother, de Blessid Union of Souls. Mas não ache que estou te chamando de irmão, se você me aparecer eu ainda vou querer agredi-lo, estou apenas expondo uma perspectiva de vida em que ainda muitos acreditam.
Siga-a se puder.

Raiane.

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